Por Lúcio Delfino
Enunciado normativo:
“Art. 287. O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.
§ 2º Conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do mandado:
I - de citação devidamente cumprido;
II - de intimação do requerido de haver-se efetivado a medida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.”
Justificativa:
O dispositivo aludido corresponde, sem alterações, ao disposto no art. 280 do hoje nominado Projeto-Lei n.º 8.046/2010 (anteriormente designado de Projeto-Lei n.º 166/2010), que tramita perante a Câmara dos Deputados, e já incorporou as modificações indicadas pelo Senado Federal. De outro lado, é o equivalente, com literalidade diversa e de maior latitude, ao disposto pelo art. 802 do Código de Processo Civil em vigência, cuja redação é a seguinte:
“Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar, para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir.
Parágrafo único. Conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado:
I - de citação devidamente cumprido;
II - da execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.”
Segundo o Código atual, conta-se o prazo (5 dias) para apresentação de resposta, em procedimentos cautelares, da juntada aos autos: i) do mandado de citação devidamente cumprido; e ii) do mandado de execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia. A doutrina de boa estirpe sempre criticou o legislador no que toca a esta segunda opção. E, pelo que se vê, a intenção do Projeto n.º 166/2010 – hoje Projeto n.º 8.046/2010 – foi a de eliminar dúvidas interpretativas, e assim o fez mediante proposta de alteração do início da contagem do prazo: hoje é contado da juntada aos autos do mandado de execução da medida liminar; no futuro, caso aprovado o Projeto, contar-se-á o aludido prazo da juntada aos autos do mandado de intimação do réu de que a medida (de urgência ou de evidência) foi cumprida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Sem embargo de o legislador reformista ter escolhido critério mais seguro que o vigente, constata-se, apesar disso, algum esvaziamento do direito fundamental de defesa (CRFB, art. 5.º, LV). Em amparo ao novo critério, há de se afirmar que ele corrige, à evidência, uma premissa falsa, com a qual o legislador do Código de Processo Civil de 1973 trabalhou, vale dizer, a de que o réu sempre tem conhecimento da execução (ou efetivação) da tutela cautelar. Partindo-se desta premissa não verdadeira, raciocina-se como se a juntada do mandado de execução aos autos fosse suficiente para evidenciar a ciência do réu acerca do pedido de tutela cautelar, devendo, a partir daí, passar a correr o prazo para a apresentação de defesa.[1] Entretanto, como nem sempre a tutela de urgência depende da participação (ou do constrangimento) do réu, nada mais justo que adotar, como marco de contagem do prazo para a resposta, a juntada do mandado de intimação do requerido de haver-se efetivado a medida naqueles casos em que for concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Mas a concretização do direito fundamental de defesa exige mais. Ou seja, é insuficiente a alteração proposta por não levar em conta a ideia de contraditório, sobre a qual se funda o direito de defesa, a exigir: i) que o réu tenha adequada compreensão do que contra ele é postulado; ii) a sua ciência para que reaja ou se defenda; e iii) a advertência sobre as consequências da não apresentação da contestação.[2] Dito de modo direto: a concretização do direito fundamental de defesa ordena que o réu receba, no ato de sua citação, cópia da petição inicial, além de exigir seja ele advertido de que a ausência de contestação, a ser apresentada no prazo legal, fará com que (i) os fatos alegados pelo autor sejam presumidos verdadeiros [3] e que (ii) a tutela concedida antecipadamente manterá seus efeitos.
Basta examinar, para assim concluir, o que dispõe o art. 225, cumulado com o art. 285 do Código em vigência. Também o próprio Projeto n.º 166/2010 – hoje Projeto-Lei n.º 8.046/2010 – é expresso ao exigir que o mandado de citação seja acompanhado da petição inicial, bem assim da advertência relacionada à aplicação da revelia (Projeto n.º 166/2010, art. 205, caput e §2.º C/Cart. 207, II, V, VI, §§1.º e 2.º; Projeto-Lei n.º 8.046/2010, art. 217, caput e §2.º c/c art. 219, II e VI). E mais: o Projeto, ao incorporar a proposta legislativa de estabilização da demanda, cria a possibilidade de a decisão liminarmente concedida em procedimento antecedente continuar a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor, sempre que a contestação não for apresentada (Projeto n.º 166/2010, art. 288, §2.º; Projeto-Lei n.º 8.046/2010, art. 280, §1.º). Daí por que o próprio legislador reformista estabelece que, do mandado de citação, constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos, independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor (Projeto n.º 166/2010, art. 287, §1.º; Projeto-Lei n.º 8.046/2010, art. 280, §1.º).[4]
Em apoio ao que aqui se defende, confira-se trecho da doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
(...) a norma do inciso II do parágrafo único do art. 802, para não ser dita inconstitucional, exige a interpretação de que o prazo para defesa é contado da juntada do mandado de execução apenas quando há um mandado para a execução e para a citação, ou seja, quando o réu tem ciência dos termos da pretensão cautelar, do prazo para a defesa e da consequência da não contestação. Como é óbvio, se a execução é realizada, mas o réu dela não tem conhecimento, certamente não há como pensar em possibilidade de efetividade do contraditório, já que somente pode reagir quem é comunicado. Aliás, mesmo que o réu tenha presenciado a execução, tem ele o direito de ser adequadamente comunicado para apresentar defesa.”[5]
Sublinhada a indispensabilidade do mandado de citação devidamente acompanhado de cópia da petição inicial, e da exigência de que seja o réu advertido sobre o prazo para contestação e das consequências da sua não apresentação, melhor seria estabelecer que o prazo para contestar deve ser contado, em todas as situações, somente a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido.
Redação sugerida:
Sugere-se, de tudo aqui assentado, a redação adiante transcrita:
“Art. 280. O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.
§ 2º Conta-se o prazo para contestar a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido."
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. Curso de Processo Civil. Vol. 4. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 135.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. Curso de Processo Civil. Vol. 4. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 135.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. Curso de Processo Civil. Vol. 4. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 135.
[4] A boa doutrina, ao tratar sobre o contraditório, esclarece que “a informação deve ser adequada, de modo que a parte possa saber o seu objeto e preparar a sua reação em tempo hábil, de maneira efetiva. Por isso, os cuidados de que se deve cercar o mandado de citação, estabelecido no art. 225.” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo Civil e Parte Geral do Direito Processual Civil. Vol. 1. São Paulo : Editora Atlas, 2010. p. 37).
[5] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. Curso de Processo Civil. Vol. 4. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 136.
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