sábado, 27 de fevereiro de 2016

O texto diz, mas os ouvidos são moucos ...

A impressão que fica é que o Supremo às vezes segue entendimento semelhante àquele do movimento do Direito Livre, que teve como um de seus percursores Oscar Bulow, e no qual a lei não era algo importante, ficava em segundo plano, em estado de suspensão, pois seu papel, no máximo, era funcionar como fundamento "a posteriori" a fim de reforçar a argumentação jurídica. O importante, nesse contexto, eram os valores materiais de justiça (moral, ética, etc.), de maneira que o uso dos textos legais se dava como mera referência complementar. Julgamentos extra legem, ultra legem e até contra legem eram aceitáveis, e até fomentados, desde que justificados pelas exigências sociais de ocasião e pelos sentimentos de justiça.

Sobre o tema, a autoridade de Rafael Lazzarotto Simioni:

"Para a Escola do Direito Livre, não era a lei, e sim a decisão jurídica que constituía o direito. E essa decisão, ao contrário de proceder à mera aplicação da lei escrita, era realizada mediante a introdução de critérios normativos extralegais, notadamente a consciência subjetiva do juiz. O juiz passava a ser responsável pessoalmente pela procura do justo e pela sua justificação na decisão jurídica. 'Decido conforme minha consciência', diziam os juízes do movimento do Direito Livre." (Curso de Hermenêutica Jurídica).

Mas como sustentar uma democracia segundo tal prisma? E o Estado Democrático de Direito, aonde fica? Para que serve o Parlamento, com todos os gastos astronômicos que seu custeio demanda à sociedade, se a voz dos nossos representantes eleitos não são ouvidas e respeitadas? Qual a função dos textos legais se o Judiciário atropela suas balizas, seus limites semânticos, achando-se no direito de reconstruí-los a seu bel-prazer, reescrevendo inclusive direitos fundamentais, cuja reforma não se admite nem mesmo pelo poder constituinte derivado? 

Como dizia Tião Carreiro: "A coisa tá feia, a coisa ta preta... Quem não for filho de Deus, tá na unha do capeta."


"Apesar de a Constituição estabelecer que os tribunais regionais federais serão compostos por juízes com menos de 65 anos e nomeados pelo presidente da República, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux deferiu um pedido de liminar para que fosse empossado um juiz de 69 anos e que não foi nomeado pela presidente Dilma Rousseff."

Fonte: https://twitter.com/jotainfo/status/703269353978986497

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Onde a discricionariedade começa, o Direito termina



A última Revista de Processo (REPro 251) trouxe o artigo “Onde a discricionariedade começa, o direito termina: comentários ao voto proferido por Alexandre Freitas Câmara sobre penhora on-line”, de autoria do Prof. Georges Abboud . É um trabalho instigante e muito bem elaborado. A tese central é a de que direito e discricionariedade se repelem mutuamente, não podendo coabitar o mesmo espaço. Em outros termos: mesmo que escoradas naquilo que se entende por “justo”, decisões discricionárias habitam o “ambiente do antidireito”, pois pautadas em critérios não jurídicos. Daí a frase emblemática de Abboud, com fundamento em K.D. Cupis: “Quando a discricionariedade entra, o direito sai; quando termina um, inicia-se outro”. O jurista elucida, ademais, que a admissão da discricionariedade judicial (=decisão de poder, decisão não jurídica, decisão pautada na subjetividade do intérprete) implica julgamentos por conveniência e oportunidade do julgador, a impedir que questões jurídicas sejam submetidas a testes qualitativos de validez – em tal perspectiva, afinal, diferentes julgadores podem atingir resultados válidos sem que se possa dizer qual deles está com a razão. Na ausência de critérios jurídicos não é possível testar racionalmente as decisões. E a perda democrática, ao fim e ao cabo, é nada menos que evidente. Por fim, a argumentação desenvolvida por Abboud ganha reforço teórico-pragmático no voto proferido pelo Desembargador Alexandre Freitas Câmara, por meio do qual foi assegurada a efetividade de tutela jurisdicional via concretização da penhora “on line”, em aberta oposição ao fundamento utilizado pelo juízo de primeiro grau para quem a utilização de meios eletrônicos representaria tão somente uma faculdade do juiz. Enfim, tanto o artigo como também o voto indicados merecem leitura atenta em tempos nos quais se alastra entre nós um ativismo judicial sem peias. Talvez haja mesmo luz no fim do túnel ...